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Francisco Rebolo Gonsales Jogador e artista: campeão de 1922, Rebolo desenhou atual escudo do Corinthians

Francisco Rebolo Gonsales jogou no segundo quadro do Corinthians. Reconhecido artista plástico, foi convidado a estilizar distintivo



ESSA NOTÍCIA É UM OFERECIMENTO:


Se não fosse por um jogador artista, o Corinthians não teria o escudo que ostenta hoje em sua camisa. O descendente de espanhois Francisco Rebolo Gonsales pode ser considerado um dos primeiros ídolos corintianos mesmo sem nunca ter jogado no time principal. Futebolista em sua juventude, Rebolo participou do segundo quadro do clube - espécie de time reserva - entre 1922 e 27, e anos mais tarde foi o responsável por desenhar o atual distintivo corintiano, com os dois remos, a corda e a âncora em volta da parte circular.
 

Habilidoso com as mãos, ele também tinha talento com os pés. Aos 14 anos, começou a jogar entre os reservas do Argentinos, equipe da várzea paulistana. No entanto, sem saber, a paixão pelo Corinthians já era latente. Em depoimento de 1977, publicado no livro "Rebolo 100 anos", ele afirma que "quando fui jogar no Argentinos, eu já era corintiano, fui corintiano desde que conheci o time...". 

Rebolo, um Modernista corintiano

Rebolo era como dizem os torcedores aficcionados pelo Timão, um “corintiano roxo”, de carteirinha e tudo. 
 
A paixão pelo Corinthians era tanta que Rebolo desenhou o emblema que o  time carrega no peito até hoje, com a âncora e os dois remos cruzados.
 
Rebolo foi um verdadeiro “boleiro”, no início do século passado. Nasceu em 1902, ano em que se disputou o primeiro campeonato paulista oficial. Quando começou a trabalhar ainda jovem com pinturas decorativas de paredes nas residências da época, o futebol nunca foi deixado de lado.
 
Delegação do Corinthians, campeã de 1922.

Rebolo é o segundo, agachado, da esquerda para a direita.
O primeiro time em que jogou foi o da Associação Atlética São Bento, em 1917. Mas foi em 1922 que descobriu as verdadeiras cores de seu coração. Foi contratado pelo Corinthians, exatamente no ano em que o clube acabou conquistando o título do “Centenário da Independência do Brasil”.
 
Antes de se dedicar exclusivamente a pintura, Rebolo ainda jogou pelo Clube Atlético Ypiranga, como se vê na foto abaixo.
 
Rebolo, no destaque, jogador do Ypiranga.
Mas nada melhor do que o próprio Rebolo narrar suas aventuras pelo mundo da bola. A entrevista abaixo foi feita em 1977, pelos sociólogos Antonio Gonçalves e José Rodrigues Barbosa e mais tarde publicada no livro “Rebolo 100 anos”(Edusp, 2002). Literatura na Arquibancada destaca alguns trechos dela, mas recomenda sua leitura na íntegra no site
http://www.portal2014.org.br/noticias/192/ENTREVISTA+LISBETH+REBOLLO+GONCALVES.html    

Você teve envolvimento com o Corinthians, no início do time?
O Corinthians foi fundado por espanhóis e italianos, no Bom Retiro. Teve até um cunhado meu, um imigrante espanhol casado com minha irmã mais velha, que foi um dos fundadores do Corinthians. Segundo meus familiares me contaram, ele assinou a ata de fundação do clube em 1910. Na época da fundação, eu tinha só sete ou oito anos, não acompanhava essas coisas. Meus irmãos e irmãs eram mais velhos que eu, tinham nascido na Espanha, mas não se interessavam pelo assunto.
 
Como era a relação do futebol da Liga com o da várzea?
A verdade é que muitos dos futebolistas dos clubes da Liga jogavam na várzea, em times com outro nome. O pessoal do Corinthians, por exemplo, jogava na várzea com o nome de Botafogo, que era um clube fundado pelos espanhóis da rua Santa Rosa. Todos os do Botafogo eram donos de armazéns de secos e molhados. Era um time bom; era fogo, mesmo. O Payssandu jogava com o nome de Argentinos, um time lá da rua do Glicério, no parque Dom Pedro. Naquele tempo, aquilo era várzea e eu morava ali perto, na Mooca.
 
Reblolo, no Ypiranga.
Você acompanhou o futebol desde cedo, desde menino?
Quando eu era bem criança, gostei do Argentinos, depois virei corintiano e com esse time fiquei para sempre. Ia sempre assistir os jogos na várzea. Com sete anos, eu já ia ao estádio, era um campinho. A distância da minha casa até o campo não era grande, não precisava que ninguém me levasse. O divertimento do pobre era assistir futebol na várzea, ali é que muitos tomavam gosto pelo jogo.
 
Quando você começou a jogar futebol?
Eu comecei, num time de verdade, quando tinha catorze anos. Comecei jogando no 2º time do Argentinos, tinha essa coisa de 1º e 2º times. Antes, eu jogava bola na rua, no meio da garotada, com bola de meia costurada. Eu driblava muito com a parede, quer dizer, chutava na parede e saía jogando. Essa era minha especialidade e eu sempre me sobressaía nessa história; isso me ajudou, depois.
 
A sua paixão pelo Corinthians, começou cedo?
Eu nem sei como e porque começou, mas, quando fui jogar no Argentinos, eu já era corintiano, fui corintiano desde que conheci o time... O mais curioso é que o Botafogo é que era o time correspondente ao Corinthians, na várzea, e eu jogava no Argentinos, mas acabei virando corintiano.


 
Você poderia falar um pouco sobre seu início como jogador?
Veja bem; primeiro, ainda com catorze anos, comecei a jogar no 2º time do Argentinos, e já estava nesse trabalho de pintura de paredes. Tinha um pintor que jogava no São Bento que eu fiquei conhecendo, chamado Tobias, e ele me chamou para jogar naquele time. Era time de Liga, um time de elite. Fui treinar no São Bento, eles acharam formidável, e acabei indo jogar lá. Na época, eu já tinha quinze anos.
 
Como você entrou no time da elite, sendo de origem popular?
Como eu disse, aquele pintor, o Tobias, me levou para o São Bento. Mas eles me impuseram uma condição: “você precisa ir todo dia até a sede para aprender a ler e escrever melhor”. Eu tinha deixado a escola, mas no São Bento havia jogadores letrados. Logo, eu fui jogar no 1º time, ainda com quinze anos. Tenho uma fotografia dessa época no São Bento, em que eu estou deitado numa praia. A foto foi tirada quando eu fui com o time jogar em Santos e vi pela primeira vez o mar e a praia, que me pareceu um campo imenso, uma coisa muito bonita.
 
Neco
E como se deu sua passagem para o Corinthians, em 1922?
Foi uma coincidência. Calhou de eu ir fazer a pintura numa sala do Corinthians, no centro de São Paulo. Na rua José Bonifácio, o Corinthians alugou um salão, que era um armazém do pai do Filó, um grande jogador corintiano. Eu fui trabalhar na pintura decorativa daquele salão. Então, recebi um convite direto do Manuel Nunes, o Neco; ele é que me convidou para jogar no Corinthians. O Neco disse: “Você vem aqui tirar o dinheiro nosso, como pintor do salão, e joga lá no São Bento?” A diretoria veio em cima de mim, e eu falei: “Se vocês ajeitarem o meu passe, eu jogo com prazer no Corinthians”. Foi assim que aconteceu a minha entrada no time.
 
 
Corinthians de 1930. Filó, primeiro agachado,

da esquerda para a direita.
Durante quanto tempo você foi jogador do Corinthians?
Primeiro, eu joguei no time principal do Corinthians. Cheguei a fazer parte da convocação para a Seleção Paulista, no time B. Ai apareceu o Filó e eu passei para o segundo time, que também era um bom time. Joguei por mais dois anos e tanto nesse segundo time, e aí terminou a minha inscrição no clube. No total, foram quase cinco anos.
 
Como se deu a história de você ser o autor do emblema definitivo do Corinthians?

Naquela época, no começo dos anos de 1930, eu já não estava mais no time, mas mantinha a amizade com algumas pessoas do clube. Esses amigos, alguns jogadores e dirigentes, me procuraram e disseram que o Corinthians agora era também um time de regatas e que o escudo só tinha aquela bolinha com a bandeira, um emblema simples demais, que precisava de uma melhorada.
 
Então, nós discutimos e eu dei a ideia daqueles remos, da âncora. Sugeri o tema, a ideia do emblema. E pintei o distintivo na sede do clube. Havia uns medalhões, onde fui pintando, sempre na mesma seqüência: um distintivo, uma paisagem, um distintivo, uma paisagem... Na arquibancada do Parque São Jorge, tinha uma parte mais alta, indicando o centro da arquibancada, e lá também pintei o novo emblema. Deve estar lá até hoje, as coisas não mudam muito...
 
Depois de quase cinco anos, você saiu do Corinthians...
Quando saí do Corinthians, em 1927, vários clubes deram em cima de mim. O Germânia, o Internacional – que era o clube dos choferes de praça – e o Clube Atlético Ypiranga, que era conhecido como clube dos caixeirinhos, dos caixeiros-viajantes e dos balconistas.
 
Como eu simpatizava com o Ypiranga, fui para lá. Nessa época, eu joguei também na várzea da Mooca, no time chamado Paulista de Aninhagem, que eu considerava um timaço. Tinha um gramado excelente, e as árvores e telhados vizinhos ficavam cheios de gente, em dia de jogo.
 
Fale sobre a famosa briga na diretoria do Corinthians, na década de 1910, que resultou na criação do Palestra Itália, depois Palmeiras...
No começo do século, existia um time chamado Palmeiras, que ficava na Ponte Grande, na capital, que nada tinha a ver com o atual Palmeiras. O Palmeiras de hoje surgiu quando fundaram o Palestra Itália, como conseqüência dessa briga na diretoria do Corinthians. Vários dirigentes italianos, ou de origem italiana, saíram e fundaram esse novo time.
 
Caetano, no Palestra Itália.
Inclusive, alguns jogadores do Corinthians foram para o Palestra Itália, quando houve a briga; eu me lembro do ponta-direita Caetano, que foi para o Palestra. Mas esse antigo Palmeiras, da Ponte Grande, um dia foi fechado, acabou. E o nome foi retomado, mais tarde, na segunda guerra mundial, quando o Brasil e a Itália ficaram em lados opostos e o Palestra Itália teve que mudar de nome. Mudaram o nome para Palmeiras, por essa questão política.
 
Como era a vida de um jogador de futebol, na cidade de São Paulo dos anos de 1910, 1920, 1930? Como ele era visto pelo povo, pelas pessoas?
Na cidade, as pessoas comentavam muito o futebol. Eu ia a qualquer lugar e nem precisava pagar. Fosse café, lanche, almoço, sempre alguém queria pagar a conta. Algumas vezes, torcedores provocavam um quebra-pau nos botequins, na rua do Tesouro, num lugar onde vendiam vinho. Eu tomava um bonde para ir ao centro, pois morava no início da Mooca. A gente vinha do treino, juntavam-se os jogadores do Ypiranga e do Corinthians para tomar batida. Nos campos, às vezes, havia brigas; lembro de uma vez em que derrubaram um cavalariano num jogo. No centro, na praça Antonio Prado, as pessoas comentavam futebol. Nas fábricas conversavam sobre os jogos, os operários acompanhavam o futebol, tinham seus times de preferência. Na época, já existia a divisão entre arquibancada e geral. Eu me lembro de um jogo em que o irmão do Feitiço me deu uma entrada tão forte que eu voei, bati com a mão na cerca e quebrei a clavícula. Meu Deus, como aquele jogador apanhou, parecia que a torcida da geral ia matar o jogador. Até o juiz apanhava, às vezes. Tudo acabava repercutindo em conversas nos bares e pontos do centro da cidade, onde todo mundo se reunia durante a semana.
 
Hoje, sendo um artista consagrado, com mais de 40 anos de atividade como pintor, e também como ex-futebolista que teve uma carreira completa, como você vê a relação entre arte e futebol? Existem pontos de afinidade?
Numa entrevista, há pouco tempo, eu falei do prazer e da alegria que me dava ver as cores nos estádios de futebol. Aquilo mexia comigo, embora eu não fosse ainda um pintor, era só jogador. Mas, para responder à pergunta, eu poderia repetir um trecho do meu depoimento quando da mostra retrospectiva de meus quarenta anos de pintura, realizada em 1973 no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Tem uma frase que até está no catálogo:

“Antes da pintura, o futebol já tinha marcado minha vida. Como no futebol, acho que na arte deve-se fazer coisas espontâneas, com a marca do amor e com entusiasmo, para poder se emocionar e emocionar outras pessoas.  Acho, de verdade, que há uma forte relação entre o amor, entusiasmo e espontaneidade, tanto na arte como futebol. Estas duas atividades da minha vida, cada uma no seu tempo, contribuíram para que eu seja uma pessoa feliz, realizada”.
 

 


Data: 2016-01-26 00:00:00