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Cuiabá , MT - -

Dirigentes e autoridades debatem fim da violência no futebol brasileiro

Evento na Escola de Magistratura do Rio aborda temas como cadastramento, liberdade de expressão e responsabilidade dos clubes em incidentes nos estádios



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O Encontro Nacional pela Paz no Futebol, realizado nesta sexta-feira, na Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj), no Centro, reuniu autoridades de todas as áreas envolvidas com a organização de jogos e debateu os temais mais relevantes relacionados à violência nos estádios. Houve momentos mais acalorados, como o painel que discutiu liberdade de expressão com a presença do presidente da Ferj, Rubens Lopes, e outros mais descontraídos, como o painel de abertura no qual o ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux brincou com o clube para o qual torce, o Fluminense, e o tetracampeão Bebeto foi "confundido" com Bebeto de Freitas pelo presidente do Tribunal de Justiça, Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho.

No entanto, nenhuma solução prática nasceu do debate. Questões como a necessidade de unificar o modelo de segurança de eventos esportivos em todo o país foram colocadas, bem como o antigo desejo de consolidar um cadastro de torcedores para permitir um acompanhamento eficaz dos indivíduos que tiverem acesso vetado aos estádios por atos de vandalismo e violência. Uma das personalidades mais aguardadas no evento, o senador Romário, não compareceu - estava escalado para o painel de abertura e foi substituído por Bebeto.

- Infelizmente acontece essa violência toda por causa de um jogo de futebol, e a gente tem de acabar com isso. Violência não gera nada - disse Bebeto, em seu discurso inicial.



Para o juiz Marcelo Rubioli, o maior problema é a dificuldade de identificar os torcedores:

- O grande problema é a falta de identificação dos torcedores, a indentificação das organizadas e o seu monitoramento. A violência que antigamente se concentrava no interior do estádio, hoje passou para o entorno do estádio - analisou. 

Marcos Kax encontro paz no futebol (Foto: André Durão)Marcos Kac, promotor responsável pela denúncia que motivou a prisão de executivo ligado à Fifa durante a Copa de 2014 (Foto: André Durão)

O promotor do Ministério Público Marcos Kac, que foi o responsável pela denúncia que levou à prisão de um executivo ligado à Fifa durante a Copa do Mundo de 2014 por suposta ligação com quadrilha de venda ilegal de ingressos, discorda. Para ele, o maior obstáculo é a impunidade.

- Não é só o número excessivo de crimes. A chaga brasileira é a impunidade e o juizado veio para dar uma resposta. O sujeito sabe que ali, no estádio, com o Juizado, se ocorrer algo, será levado às autoridades de imediato.

O ministro Luiz Fux falou sobre a relação entre o Poder Judiciário e a Justiça Desportiva e defendeu a regra que determina que as instituições esportivas só podem ingressar na Justiça comum depois de esgotadas as instâncias na esfera desportiva.

- É constitucional, é legítimo submeter ao esgotamento da Justiça no campo esportivo para submeter ao Judiciário. 

Ministro Luiz Fux Encontro Nacional pela paz no futebol (Foto: André Durão)Ministro Luiz Fux no Encontro Nacional pela Paz no Futebol (Foto: André Durão)

Quando Peter Siemsen, presidente do Fluminense, chegava ao auditório, o ministro do STF, torcedor declarado do clube das Laranjeiras, não segurou a piada. Comentou seu traje, terno azul marinho, camisa branca, e grava verde, ressaltando que faltou o amarelo para estar vestido de Brasil. E emendou:

- O amarelo é da minha essência, o Fluminense tem amarelado com frequência. Então estou sim de Brasil.

O tenente-coronel João Fiorentini, ex-comandante do Grupamento Especial de Policiamento em Estádios, defendeu a realização de clássicos durante a tarde, e não de noite.

- A torcida tem de caminha junto com a polícia, para isso é preciso conversar. Para nós, é fundamental que os clássicos sejam às 16h, facilita muito o trabalho da polícia. Eu não sou contra torcida organizada, sou contra a violência.

Um dos painéis com debate mais acirrado foi entre professores e o presidente da Ferj, Rubens Lopes, que foi bastante questionado sobre o cadastramento de torcedores e a liberdade de expressão, em função do polêmico item no regulamento do Campeonato Carioca determinando punição a quem denegrisse a imagem do torneio ou da entidade.

-  O conceito de torcida organizada é distorcido. Estamos falando de um grupo travestido de torcedores que disputam um monte de coisa. Afirmo, sem medo de errar, que no Rio, no interior do estádio, a violência não existe. Todo tumulto que acontece é no trajeto ou no entorno. As instituições se reunem para traçar o plano de ação e segurança. Existe o plano de segurança, mas ninguém é onipotente e onipresente. O cidadão leva facada aí todo dia, mas não quer dizer que a PM e o judicipario não ajam. A minha filha sofreu um sequestro relâmpago, onde está a polícia? Posso culpar? Lógico que não.

Rubens Lopes encontro paz no futebol (Foto: André Durão)Rubens Lopes, presidente da Ferj (Foto: André Durão)

Lopes apontou ainda dificuldades em relação ao cadastro de torcedores:

- A identificação não acontece em lugar nenhum do mundo. Se o Brasil conseguir fazer o cadastro, vamos estar dando um grande passo. Só que você vai cadastrar determinados elementos, mas os marginais não vão. Muitos têm mandado de prisão, esses não vão querer se identificar. Tem de coibir a violência e identificar os torcedores, mas acho que esse processo não vai acontecer da noite para o dia.

O presidente da Ferj também foi questionado sobre o impasse entre Fluminense e Vasco sobre o local da torcida na arquibancada no Maracanã.

- É muito difícil classificar o sentimento de cada um. O Fluminense tem suas razões que acha que são corretas, e o presidente do Vasco faz a mesma coisa. Cada um vê de um forma. Esse jogo do Vasco e do Fluminense que foi para o Engenhão no Campeonato Carioca, ao contrário do que foi dito aqui, que a transferência do jogo gerou a confusão, foi o contrário, impediu a confusão. Foi impedida uma violência, uma disputa territorial por lugar no Maracanã. Isso foi conversado com os clubes e com o Gepe. Não houve problema porque o jogo foi no Engenhão, até porque houve confusão entre torcedores com a mesma camisa.

Sobre o artigo no Campeonato Carioca para penalizar quem denegrisse a imagem do torneio ou da Ferj, Lopes discursou:

- Esse artigo foi votado e aprovado por unanimidade. Ele pode até ter sido mal redigido. Mas nunca para impedir a ampla defesa e não seria a federação a definir pena. Um conselho, formado pelos próprios clubes, caso entendesse que determinada atitude fosse contrária, esse conselho julgaria.

Peter Siemsen encontro paz no futebol (Foto: André Durão)Peter Siemsen compareceu (Foto: André Durão)

Já no fim da tarde, o presidente do Fluminense, Peter Siemsen, se juntou em outro painel ao vice jurídico do Flamengo e procurador do Estado, Flávio Willeman, e o diretor jurídico do Botafogo, Gustavo Noronha. E foi debatida a responsabilidade dos clubes em relação a atos dos seus torcedores, de acordo com o Estatuto do Torcedor.

- Há necessidade sempre, como um evento privado, de ter um responsável. No jogo, é o mandante. A ilegalidade está na atuação da Ferj, como diz, por exemplo, que não existe mandante. Mas tem de existir. Ou quando muda o jogo lá para Volta Redonda sem a nossa concordância, aí são duas torcidas viajando, muda tudo, é uma loucura. Aí eu não me sinto responsável pelo jogo. Acho que a lei tem de definir o papel da federação com relação à responsabilidade e a essa questão do mandante - disse Siemsen.

O último painel reuniu o presidente do Vasco, Eurico Miranda, e a cúpula do Superior Tribunal de Justiça Desportiva - o presidente Caio Rocha, o procurador geral Paulo Schmitt, e os auditores do Pleno Flávio Zveiter (também ex-presidente do tribunal) e Paulo César Salomão. O cartola cruz-maltino foi questionado sobre a possibilidade de penas com perda de pontos por conta de violência e ressaltou que o maior problema não é dentro dos estádios, mas fora.

- Perda de pontos é algo muito sério. Perda de pontos só se de alguma forma o clube ou agremiação contribuiu para isso. É difícil constatar se efetivamente teve contribuição da agremiação. A penalidade pode ser até muito maior. A violência é muito maior fora do estádio do que dentro. É muito difícil fazer uma prevenção em relação à violência fora do estádio, mas ela vem de fora para dentro. 

Eurico Miranda, presidente do Vasco, no encontro pela paz no futebol (Foto: André Durão)Eurico Miranda, presidente do Vasco (Foto: André Durão)

Eurico Miranda falou ainda sobre a relação com torcidas organizadas. Defendeu essas instituições, mas afirmou que se desvirtuaram com a "infiltração" de elementos que buscam a violência:

- As torcidas organizadas são fundamentais para uma partida de futebol. Como o nome já diz, é para ir ao estádio torcer. Eles é que fazem a festa, fazem o torcedor anônimo participar da festa. Mas começou a se desvirtuar o que é torcida organizada, passou a ter infiltração de elementos que passaram a pregar essa questão da violência, usando até a internet para marcar confrontos. Criou-se uma situação que hoje você marca confronto até com torcida de outro estado. Aí fica absolutamente fora de controle. Medidas precisam ser tomadas, no meu clube eu tomei diversas, definitivas, não tenho sala de torcida no clube, nenhuma hipótese de dar ingresso ou subsidiar torcida. Eu já o fiz, no bom sentido. Desvirtuou, não tem mais. Mas se não houver a prevenção fora do estádio, não vamos chegar nunca a uma solução. O procurador do STJD não pode ficar buscando chifre em cabeça de cavalo. Sempre o grande punido é o clube. Claro que a negligência, a omissão, pode levar a instituição a ser penalizada. Mas é uma coisa que tem de ser bem medida - disse Miranda.

Paulo Schmitt destacou a quantidade de punições por atos relacionados à violência:

- Esse é o nosso dia a dia no tribunal. Que tipo de punição pode fazer com que o torcedor reflita e veja que está punindo seu clube? Em alguns países, é proibido por lei dar auxílio de qualquer natureza à torcida. Proponho que desse evento saiam algumas posições que possam ser assumidas talvez em um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) sobre erra relação com as organizadas.

 


Data: 2015-06-26 00:00:00